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Viado Comunista

Não adianta falar para acadêmico", alertava uma amiga jornalista sobre os dilemas de se discutir temas políticos na academia. Não pensei duas vezes e logo lembrei do texto de um professor querido Ricardo Salmito, Na Porta do Banheiro, publicado no impresso Baldio, resultado do Programa Artes Híbridas da Pró-Reitoria de Cultura. No texto, ele explica o seu sentimento diante de encontrar rabiscada no banheiro masculino do campi da UFCA em Juazeiro do Norte, a frase racista "VAMOS MATAR OS NEGOS", seguida de outra "LIMPAR O MUNDO".

Essa é apenas uma das frases machistas, racistas e homofóbicas que "enfeitam" os banheiros dos homens na Universidade. Não vou citá-las, tendo em vista, que o falo — representações do pênis, estritamente, também considerado signo de poder — segundo Preciado, não existe, "não passa de uma hipóstase do pénis", então, para mim, elas não existem, são representações que carregam significações ruins desnecessárias. Talvez necessárias para serem reinventadas, como continua o relato do professor, ao entrar novamente no banheiro e dar de cara com a frase "AMO MATAR OS EGOS", seguida de "LOVE".

Acontece que esses dizeres escritos nas portas dos banheiros, principalmente públicos e masculinos, são a prova dos nove do recado da minha amiga. Não adianta falar para acadêmico. Como sugere a intervenção, seria necessário matar os egos para através do amor, outras dinâmicas de convivência se estabeleçam nas formas de produções do prazer-saber e do cotidiano, uma vez que, as mesmas estão inteiramente ligadas ao ensino-aprendizagem em âmbito acadêmico. Mas é no banheiro, neste espaço que funciona como uma espécie de armário para o patriarcado, que o pau, figurado como parte privada do corpo dito masculino, como explica Edelman, assume status de público e se expressa. Enquanto o cu e a necessidade funcional do mesmo carrega o peso maior no pudor social, completa o autor.

Mas o grande debate deste artigo não é entorno da arquitetura do banheiro e do corpo masculino e sim de como os diálogos do urinol, invadem outros espaços públicos e chuta a porta do seu próprio armário — regime de controle de sexualidade — e fere os que já abriram seus armários. Outro dia, voltado para casa de mais um dia, escuto no ônibus os argumentos de um eleitor de Bolsonaro, nesse momento a audição merecia um botão off. "Tudo viado comunista", ele berrava fazendo questão de dizer que era direitista. "É falta de corretivo, isso aconteceu porque nossa geração usou Merthiolate — medicamento de uso tópico e local oral utilizado para limpar ferimentos e outras lesões superficiais da pele ou da boca — que não arde". Gostaria de entender a relação da dor física com o desejo do corpo, claro que em práticas subversivas de BDSM e a construção da masculinidade, pautada no ideal de macho, fazem sentido nesse contexto.

A real é que todo mundo quando criança temia o tal do Merthiolate que ardia. Talvez tivesse aquele pai, ou tio, ou até mesmo mãe, que dissesse: "Vire macho, aguente uma dorzinha dessa, rapaz". Mas acontece que dentre do debate de quem veio primeiro, do ovo e da galinha, entre o desejo e o remédio, veio primeiro o desejo. Não foi por causa de um arranhão que hoje a comunidade LGBT e queer, também chamada de transviada, está aqui. Não foi por isso que el@s chutaram seus armários. Foi por querer existir, por romper com o silêncio do corpo e da vontade. O silêncio fala muito, mas era preciso gritar. Naquele dia, meu silêncio falou, mas a pose dele não merecia grito. Seu machismo é igual cueca com enchimento, só lamento.

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